Author: Sônia Ramalho de Farias
•14:07


As Diferentes Faces Do Amor Na Poesia De Carlos
Drummond De Andrade
*



A literatura, mesmo descrevendo o corpo, não o expõe, e, narrando o amor, não o realiza.
(Andrade, 1964, p. 585).


Qual o significado d’O amor natural (1992) no conjunto da obra drummondiana? Como este “escandaloso” livro de publicação póstuma se insere/inscreve na totalidade da poética amorosa do autor? É possível reconhecer na inusitada crueza do seu léxico erótico algumas marcas autorais? Constitui, ao contrário, esse despudorado “exercício estético de erotismo” (Sant’Anna. In: Andrade 1992, p. 78) um quisto incômodo e estranho ao “familiar” corpo poético da produção anterior?
A tentativa de resposta a estas e outras questões suscitadas pela leitura dessa última e polêmica coletânea de poesia de Drummond demandaria uma paciente e perspicaz leitura de toda a sua obra poética. Melhor dizendo, pressuporia uma leitura capaz de cotejar as diversificadas configurações semânticas que o amor assume enquanto objeto temático no universo poético de Carlos Drummond de Andrade. Pois, antes de eclodir na eroticidade desnuda d’O amor natural, o sentimento amoroso e seu correlato, o desejo erótico, já permeiam, através de múltiplas faces, a obra do poeta mineiro, perfazendo uma polissemia de significados correlatos e suplementares. Poder-se-ia dizer, portanto, como já o fez Silviano Santiago (cf. 1976a: 26), que o tema do amor e seus congêneres inscreve-se na lírica drummondiana via “lógica do suplemento”, conforme a entende Derrida (apud Santiago, 1976b: 90).: “lógica da différence”, do jogo de relações nunca marcado e sempre aberto, do descentramento. Lógica, enfim, da “disponibilidade de significação”.
Considerando os limites deste ensaio, proponho-me, no entanto, assinalar aqui apenas algumas dessas correlações significantes, deixando de fora outras não menos relevantes, mas, no momento, impossíveis de resgatar. Esse recorte de leitura é a forma encontrada para tentar tangenciar parte das questões acima delineadas, estabelecendo, ao mesmo tempo, na medida do possível, um diálogo com a fortuna crítica mais fecunda do autor, responsável já pelo mapeamento e interpretação das configurações simbólicas mais importantes relativas ao tema aqui abordado.
Um dos primeiros exercícios de tematização do amor ocorre já na primeira fase da poesia drummondiana, especificada por Alguma poesia (1930) e Brejo das almas (1934), onde a representação do sentimento amoroso e seus correlatos verificam-se, sobretudo, através do procedimento poético da paródia. O amor como paródia marca, assim, as irônicas e bem humoradas especulações do poeta em torno do tema, traduzindo-se nos decantados poemas de circunstância ou nos “poemas-piada”, designação atribuída por Sérgio Millet a blague tipicamente modernista, sobretudo das primeiras fases do movimento. Exemplar nesse sentido é o célebre poema “Quadrilha”, apontado pela ensaística drummondiana como o “modelo do poema-piada modernista” (Merquior, 1976, p. 22), e o não menos famoso.“Toada do amor”, ambos inseridos no livro de estréia do autor. Se, no primeiro poema, a não correspondência amorosa é jocosamente tratada pelo reiterado movimento da dança entre pares desencontrados: “João amava Tereza, que amava Raimundo,/ que amava Maria, que amava Joaquim, que amava Lili,/ que não amava ninguém.” (Andrade, 1964, p. 69), no segundo, esse mesmo desencontro é corroborado pela entoação de uma “cantiga sem eira nem beira”, como diz em outro poema, que dilui via blague o conflito sentimental tematizado:

E o amor sempre nessa toada
briga perdoa perdoa briga

Não se deve xingar a vida
a gente vive, depois esquece
Só o amor volta para brigar,
para perdoar,
amor cachorro bandido trem.

Mas, se não fosse ele, também
que graça que a vida tinha?

Mariquinha dá cá o pito,
No teu pito está o infinito
(Andrade, 1964, p. 55-56).

Os recursos estéticos observados ao longo do poema – o quiasmo do segundo verso (“briga perdoa perdoa briga”), a dicção prosaica e coloquial que dá o tom geral do poema, acentuando-se no dístico interrogativo da terceira estrofe (“Mas, se não fosse ele, também/ que graça que a vida tinha?); a enumeração caótica de elementos díspares no último verso da segunda estrofe (“amor cachorro bandido trem), sugerindo pela ausência de pontuação entre os substantivos uma qualificação pejorativa para o amor: amor cachorro, amor bandido, num desdobramento semântico da idéia central que motiva o poema (briga perdoa perdoa briga); o tom jocoso dado pelas rimas coroadas do dístico final (“Mariquinha da cá o pito/No teu pito está o infinito”) introduzem uma negatividade dissonante ao tema abordado, rompendo pelo riso com a seriedade da lírica amorosa convencional.
Já em “O amor bate na aorta”, da segunda coletânea poética, a imagética do amor/desejo é ironicamente posta via paronomásia, associação semântica que Othon Moacyr Garcia denomina de “palavra puxa – palavra” ou “associação mecânica” (Garcia. In: Brayner, 1978, p. 20), como se vê na seguinte estrofe do poema:

O amor bate na porta
O amor bate na aorta
fui abrir e me constipei.
Cardíaco e melancólico
o amor ronca na horta
entre pés de laranjeira
entre uvas meio verdes
e desejos já modernos.
(Andrade, 1964, p. 85)

Um exame mais detido desse último texto permite constatar que o processo paronomásico – formado pelo núcleo temático do poema: amor/aorta (subtendido entre ambos o termo coração, gerador da associação entre as duas primeiras palavras) – articula, através do paralelismo anafórico dos dois primeiros versos citados (O amor bate/ O amor bate), as correspondências rímicas porta/aorta/horta, desdobrando-se o poema em três cadeias semânticas distintas, mas textualmente associadas. A primeira envolve elementos do núcleo semântico tematizado: amor, [coração], aorta, cardíaco, melancólico, ronca. Assinale-se que os termos cardíaco e melancólico adjetivam metaforicamente o “eu” lírico, portador do mal do amor não correspondido ou do amor infeliz (“Fui abrir e me constipei”). Por sua vez, o verbo roncar – que introduz no quinto verso uma ruptura parcial no paralelismo anafórico dos dois primeiros versos transcritos – correlaciona-se por contigüidade – como conseqüência (todo cardíaco ronca) – ao mesmo núcleo temático do amor. A segunda cadeia associativa, formada pelo semema horta, é responsável pelo desencadeamento de novas analogias, situadas no campo semântico da botânica: “pés de laranjeiras, uvas”. A adjetivação desse último termo (verdes) – alusão irônica à fábula de La Fontaine – motiva, agora por contraste, a terceira cadeia associativa: a que se estabelece entre o campo botânico e o campo amoroso, explicitando a configuração do desejo que enfecha a estrofe: “desejos já maduros”.
Os processos estéticos postos em jogo pela perspectiva antilírica do poema desarticulam, assim, uma das características mais caras ao cânone romântico: o sentimento piegas do amor burguês, ou “o protótipo romântico do amor individual”. Expressão esta utilizada por Sebastião Uchoa Leite (In: Brayner, 1978, p. 275), a propósito da desarticulação amorosa em outro poema do autor, “Necrológico dos desiludidos do amor” (cf. Andrade, 1964, p. 94, 95), cuja imagética grotesca - “necrológico”, “suicídio”, “autópsia”, “cemitério”, combinada ao tratamento patético irônico a que são submetidos os apaixonados e seus espojos - “vísceras imensas”, “tripas sentimentais”; “estômagos cheios de poesia”, “encaixotados competentemente”, “paixões de primeira e segunda classe”- tritura corrosivamente o lirismo poético da ilusão/desilusão amorosa e do amor-paixão, conforme já assinalado por outros estudiosos da obra de Drummond, a exemplo de Merquior (cf. 1976, p. 32) e Costa Lima (cf. 1968, p. 150, 152)
Evidencia-se, assim, o humor drummondiano não apenas enquanto brincadeira gratuita, como foi entendida a blague modernista no seu contexto de origem, mas sobretudo como uma forma crítica de posicionar-se o poeta contra ideologicamente face a valores sociais e estéticos. A esse respeito diz Merquior: “Em Drummond, todo lirismo antiideológico é também antipatético” (Merquior, 1976, p. 24), embora a recíproca não seja verdadeira.
Outros poemas das duas coletâneas aqui abordadas corroboram o uso da paródia como escritura metalingüística com fins antiideológicos. Veja-se a esse respeito o poema “Sentimental”, de “Alguma poesia” Aí, a paródia ao tratamento romântico do amor patenteia-se no próprio título do poema, tomado de empréstimo ao léxico clicherizado do romantismo. Os versos iniciais do poema, “Ponho-me a escrever teu nome”, parecem reiterar essa apropriação lexical, configurando a escritura amorosa como um exercício narcísico de egotismo: o eu como marca da subjetividade da lírica convencional. O verso subseqüente, “com letras de macarrão”, introduz, no entanto, uma dissonância fonética e semântica nessa escritura romântica. Rompe-se, assim, via estranhamento léxico-fônico com o tom poético-confessional sugerido tanto pelo sentimental do título, quanto pela primeira pessoa pronominal do verso anterior. A moderna lírica drummondiana desconstrói ainda a “elevada” retórica poética do lirismo romântico pela dicção coloquial e prosaica que se desdobra no léxico dissonantemente “antipoético” dos versos subseqüentes: “No prato a sopa esfria; cheia de escamas/ e debruçados na mesa todos contemplam esse romântico trabalho” (Andrade, 1964, p. 69). A segunda estrofe reitera a desarticulação da linguagem objeto – a lírica romântica, assimilada pelo poema em questão, introduzindo, através do adjunto adverbial de modo “desgraçadamente”, uma nova dissonância lingüística na escritura romântica do amor: “Desgraçadamente falta uma letra/uma letra somente/para acabar teu nome”. Nos versos finais, o romantismo é definitivamente comprometido pela voz intrusa de um “narrador anônimo” que contrapõe o devaneio amoroso próprio do projeto romântico a uma outra realidade distinta onde esse projeto não é mais possível:

Estás sonhado? Olha que a sopa esfria!
Eu estava sonhando...
E há em todas as consciências um cartaz amarelo
‘Nesse país é proibido sonhar’
(Andrade, 1964, p. 69).

O tom de ligeiro desencanto que perpassa os últimos versos, articulado ao tom irônico inicial (escrita mesclada) aponta para um princípio básico que, segundo Costa Lima, subjaz e alimenta – não como tema, mas como veio subterrâneo – as mais diversas faces da obra drummondiana: o princípio corrosão, que não se confunde com derrotismo ou absenteísmo. “Ao contrário, no contexto drummondiano [...] aparece como a maneira de assumir a História, de se por com ela em relação aberta [...]. O princípio corrosão é, por conseguinte, a raíz talvez amarga que irradia da percepção do que é contemporâneo”. (Lima, 1968, p. 136). No que tangencia à temática amorosa, afirma ainda o ensaísta: a corrosão drummondiana põe sob suspeita “o amor e a constelação de sentimentos a ele ligados”, incidindo predominantemente sobre a lírica, “meio poético usual de transmissão desse complexo amoroso” (Lima, 1964, p. 160).
Além do poema “Sentimental”, onde a musa[1] é posta para ser negada pela escritura paródica em letras de macarrão, dois outros poemas, agora de Brejo das Almas, registram bem o processo de desidealização da figura feminina via paródia: “Oceania” (cf. Andrade 1964, p. 96) e “Desdobramento de Adalgisa” (cf. Andrade, 1964, p. 97). Mas é, sobretudo, em um poema de A rosa do povo (1945), livro situado, conforme classificação de Afonso Romano de Sant’Anna, (cf. 1972, p. 21, 22) na terceira fase poética de Drummond, que esse processo se intensifica.
Com o significativo título de “O mito”, o longo poema de quarenta e cinco quartetos e um dístico final constrói ambiguamente, ao ritmo da redondilha maior, a imagem da mulher amada e do enamorado, num duplo e simultâneo processo de mitificação/desmitificação. O texto executa esse dúplice ato de mitificar/desmitificar via escritura híbrida, que fornece o tom sério e humorístico por onde se afirma e se nega a paixão. E, através da qual, se cria/ destrói a imagem idealizada do ser inacessível, distante e ausente, decantada em verso e prosa pela lírica de outros tempos. A trigésima sétima estrofe do poema explicita esse processo de criação, a respeito do qual assim se manifesta.Silviano Santiago: “O ato de mitificar é paralelo ao de inscrever o nome da sua entre outras musas, é portanto não entendê-la (deixar de entendê-la), embora freqüentando-a com a freqüência da ausência e da escritura” (Santiago, 1976, a: 74). Leia-se a estrofe comentada:

Sou eu, o poeta precário
que fez de fulana um mito,
nutrindo-me de Petrarca,
Ronsard, Camões e Capim;
(Andrade, 1964, p. 163).

Como se vê, a inserção galhofeira do inusitado nome Capim, ao lado dos célebres nomes da lírica renascentista, inserção que tem possibilitado à fortuna crítica drummondiana diversificadas ilações interpretativas (cf. Merquior, 1976, p. 88; Santiago, 1976a:74), desmantela a seriedade da constelação lírica em que se inspira o ‘poeta precário’ para compor a indeterminada fulana do seu “mito”. O poema como um todo se alicerça nesse movimento oscilatório. As duas primeiras estrofes introduzem já o contraste entre a reiteração ardorosa do amor mitificado e seu questionamento redutor, que rebaixa a paixão à “ilusão de sexo”.

Sequer conheço Fulana,
vejo Fulana tão curto,
Fulana jamais me vê,
mas como eu amo Fulana.

Amarei mesmo Fulana?
ou é ilusão de sexo?
Talvez a linha do busto,
da perna, talvez do ombro.
(Andrade, 1964, p. 161)

As estrofes subseqüentes reafirmam a ambigüidade do processo, como já demonstrou Merquior (cf. 1976, p. 85, 89) em acurada análise do poema, onde ressalta os mecanismos estilísticos e retóricos da escritura mesclada de Drummond, possibilitadores, ao mesmo tempo, da realização/desrealização do mito. Processo que se nutre, concomitantemente,do patético (o ridículo da situação do enamorado diante do riso indiferente da mulher amada) e de seu desmonte. E que permite ao poeta desnudar a vacuidade do mito sob o perfil estereotipado da moderna mulher burguesa fatal, sem deixar de realizar a fantasia da inacessibilidade da mulher divinizada: “branca, intata, neutra,/ rara, feita de pedra translúcida,/ de ausência e ruivos ornatos” (Andrade 1964, p. 162), conforme os versos transcritos. A seguir, num movimento contrário de desmitologização, entrevê, numa outra realidade social (“sem classe e sem imposto” diz o poeta), debaixo das vestes e dos trejeitos da “elétrica”, “dinâmica” e “refrigerada” mulher fatal, um novo perfil feminino, completamente humanizado, como verifica ainda o autor de Verso e reverso, (cf. Merquior, 1976, p. 88), ancorado nestes versos finais do poema:

E digo a Fulana: Amiga,
afinal nos compreendemos.
Já não sofro, já não brilhas,
mas somos a mesma coisa.

(Uma coisa tão diversa
da que pensava que fôssemos).
(Andrade, 1964, p. 163).

Outras formas estéticas, além da paródica, modulam a representação do amor na poesia drummondiana. Uma delas é a do amor erótico que recobre diferentes modalidades discursivas no conjunto de sua lírica. A primeira modalidade configura-se pelo “discurso da juventude amorosa” denominação atribuída por Silviano Santiago (cf. 1976a: 71) aos textos poéticos que falam dos jogos sexuais e dos ritos de “iniciação amorosa” do “menino antigo” e do jovem púbere, revisitados a posteriori, sobretudo pela tessitura mnemônica de Boitempo e a falta que ama (1968) e Menino antigo (Boitempo II, 1973), não obstante sejam entrevistos num ou noutro poema das fases anteriores. A exemplo de “Iniciação amorosa”, de Alguma poesia (cf. Andrade, 1964, p.71, 72) e de “Canto negro”, de Claro enigma (cf. Andrade 1964, p. 258, 259). “Iniciação amorosa”, embora não descarte o tom de blague e paródia2, ­ marca registrada da fase inicial do autor, conforme viu-se anteriormente – também não dissimula o sintoma-fetiche (“febre de quarenta graus”) que assinala, como marca, o rito sacrificial de passagem para a puberdade. Ritual que inscreve o desejo erótico no “campo da exclusão” social, semantizado já, de forma diversa, pela “individualidade, liberação e aventura” que caracterizam o espaço robsoniano da ilha no poema “Infância” (Santiago, 1976a: 59). Oposto, pois, a eroticidade interdita do ambiente familiar do clã mineiro.
O fio condutor que liga “Iniciação amorosa” a “Canto negro” é justamente esse espaço da exclusão, onde o desejo erótico é possível, espaço-verde “entre mangueiras” no primeiro poema e espaço negro do “negro poço” de “vulva negro-amaranto”, no segundo. Em ambos, o objeto cobiçado, a mulher mulata ou negra, configura-se também socialmente por contraste àquela do universo branco familiar. O namoro às “pernas morenas da lavadeira” em Iniciação amorosa, prolonga-se na “cobiça”, pelas negras pernas da mulher, do “Canto negro” “[...] linha/ que subindo pelo artelho/ enovelando-se no joelho/ dava ao mistério das coxas/ uma ardente pulcritude/ uma graça, uma virtude/ que nem sei como acabava” (Andrade, 1964, p. 259).
A constelação de cerimônias, ritos e cenas que complementa a “iniciação amorosa” do “menino antigo” é minuciosamente rastreada por Silviano Santiago em sucessivas versões poéticas de Boitempo (1968) e Menino antigo (1973), como nos poemas “Ar livre”, “Engate”, entre outros, que possibilitam ao ensaísta configurar o “diabólico mecanismo do prazer e do martírio, da exclusão e da mistura em ‘espaço verde’,instituído pelo ato inaugural” (Santiago, 1976a: 62).
Em “Ar livre”, o espaço da exclusão se faz representar pelo Cutucum, lugar marcado por excelência na poética drummondiana pelo signo do negro3, do prazer erótico, que se oferece também em espaço verde, similar ao do ritual de passagem de “Iniciação amorosa”: “Sopra do Cutucum/ uma aragem de negras/ derrubadas na vargem” (Andrade, 1968, p. 54). Lugar, ainda, onde o ritual erótico da posse se oferece naturalmente, sem censura, em espetáculo a céu aberto: “A cama é a terra toda/ e o amor um espetáculo/ oferecido às vacas” (Andrade, 1968, p. 54). Lugar, finalmente, marcado pela mistura, pelo entrelaçar do negro no branco, o qual como diz Silviano aí “procura seu espaço compensatório” (Santiago, 1976a: 62) longe das leis do clã e dos valores familiares: “E todo o Cutucum/ é corpo preto-e-branco/ enlaçado em si/ e chupando, e chupando” (Andrade, 1968, p. 54).
Já o poema “Engate” preserva a mesma configuração do erótico no campo do negro e da exclusão, modificando, contudo, o cenário, que se desloca agora para o porão, lugar privilegiado da casa aos eróticos jogos furtivos do menino. Em contraposição, portanto, ao espaço do sobrado, onde jaz o morto da família, lugar marcado pelo recato e pela interdição:

O morto no sobrado
no porão a mulata
a pausa no velório
o beijo no escurinho
a pressa de engatar
o sentido da morte
na cor de teu desejo
que clareia o portão .

O morto nem ligando
(Andrade 1968, p. 134)

Em contraste a esse espaço horizontal do desejo, corroborando a oposição entre porão e sobrado, baixo e alto, espaço da exclusão e espaço familiar, destaca-se também o poema “Orion”, de Boitempo, onde a imagética do desejo reatualiza – ainda na leitura de Silviano – elementos análogos aos que configuram no universo familiar a problemática do amor no discurso da juventude amorosa:

A primeira namorada, tão alta
que o beijo não a alcançava,
o pescoço não a alcançava,
nem mesmo a voz a alcançava.
Eram quilômetro de silêncio.

Luzia na janela do sobradão.
(Andrade 1968, p. 89)


À disponibilidade da mulata no espaço transgressor do porão opõe-se agora a inacessibilidade da mulher branca no interdito do universo familiar do sobrado. A metáfora da luz através da qual se configura o corpo em desejo da mulata e que acende o desejo do menino, iluminando o porão, contrasta – assim como a estrela de outro poema, cujo significativo título: “Castidade” revela a marca do amor no campo familiar – com a luz estelar que metaforiza o interdito amoroso e a inacessibilidade da mulher/estrela na janela vertical do sobradão.
A imagética que delimita o significado do amor em “Orion: luz/estrela/silêncio/distância/alto, inscrevendo o sentimento amoroso em relação à mulher branca, sob o signo da pureza e da castidade, em antítese à semantização do desejo sexual no espaço da exclusão, aponta no discurso da juventude amorosa do poeta para um ambíguo confronto entre prazer e pecado, transgressão e interdito, sensualidade e espiritualização, que culmina na hierarquização dos valores do universo familiar semantizado pela estrela, conforme registram significativamente os versos de "Castidade”:

O PERDIDO caminho, a perdida estrela
que ficou lá longe, que ficou no alto,
surgiu novamente, brilhou novamente
como o caminho único, a solitária estrela.

Não me arrependo do pecado triste
que sujou minha carne, suja toda carne.
O caminho é tão claro, a estrela tão larga,
os dois brilham tanto que me apago neles.

Mas certamente pecarei de novo
(a estrela cala-se, o caminho perde-se),
pecarei com humildade, serei vil e pobre,
terei pena de mim e me perdoarei.

De novo a estrela brilhará, mostrando
o perdido caminho da perdida inocência.
E eu irei pequenino, irei luminoso
conversando anjos que ninguém conversa
(Andrade 1964, p. 96)

O embate entre essas duas ordens de valores, a que aponta para a espiritualização e a que remete à sensualidade, irá se desdobrar em duas outras vertentes poéticas, ou melhor, em duas outras formas discursivas de se tematizar o amor na obra drummondiana. A primeira, caracterizada pelo discurso poético da madureza amorosa, expressão com que assinalo – em oposição àquela cunhada por Silviano Santiago – o tratamento dispensado ao amor no intervalo poético de Claro enigma (1948), que medeia as duas formas discursivas já assinaladas: o discurso paródico da primeira fase, representado por Alguma poesia e Brejo das Almas e o discurso da juventude amorosa, concentrado sobretudo em Boitempo e Menino antigo. A segunda modalidade discursiva especifica-se pelo discurso erótico do “amor natural”, representado pela coletânea homônima.
Exemplares do discurso poético da madureza amorosa são os poemas “Ingaia ciência”, “Amor”, “Entre o ser e as coisas”, e principalmente o belíssimo “Campo de flores”, que passo agora a abordar, numa correlação com “Amor e seu tempo”, de As impurezas do branco (1973).
A primeira estrofe de “Campo de flores”, ao mesmo tempo em que situa já o sentimento amoroso no “tempo da madureza”, assinala a especificidade desse tempo, quando se circunscreve o amor: “DEUS me deu um amor no tempo de madureza,/ quando os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme./ Deus – ou foi talvez o Diabo – deu-me este amor maduro,/ e a um e outro agradeço, pois que tenho um amor” (Andrade, 1964, p. 250, 251). A metáfora do título alude a um outro tempo – o da primavera, que tematiza o amor, correlacionando-o por oposição àquele da maturidade em que se situa o eu lírico da enunciação amorosa. O usufruto do amor no tempo da madureza põe, pois, em circulação dois eixos temporais contrastivos, que se interseccionam na tessitura poética para dizer do “amor maduro”. Amor este capaz de resgatar – via imaginário poético – um estado primaveril que jamais foi dado ao poeta viver, mas que se faz presente enquanto construção lírica nesse tempo de madureza, tocado pelo “amor crepuscular”:

[....]
Amanhecem de novo as antigas manhãs
que não vivi jamais, pois jamais me sorriram.

Mas me sorriam sempre atrás de tua sombra
imensa e contraída como letra no muro
e só hoje presente.
(Andrade, 1964, p. 250)

É dessa intersecção metafórica entre primavera/madureza (outono) que se constrói a oscilante imagética textual da estrofe subseqüente: “Deus me deu um amor porque o mereci./ De tantos que já tive ou tiveram em mim,/ o sumo se espremeu para fazer um vinho/ ou foi sangue, talvez,/ que se armou em coágulo.” (Andrade, 1964, p. 251 – grifos nossos). A oscilação entre as imagens do sumo/vinho, relativas ao tempo da primavera, e as do sangue/coágulo, que se relacionam por contigüidade a sofrimento, morte, sendo assim também contíguas ao tempo da madureza, ecoam na imagética interseccionada da sexta estrofe, por onde se assinala o desabrochar do amor, “rosa indecisa”, nas “chamas extintas”, desse tempo outonal, “Onde não há jardim” e por isso mesmo “as flores nascem de um/ secreto investimento em formas improváveis” (Andrade, 1964, p. 251). Ou seja, no tempo da madureza o amor se constrói, sobretudo, como forma poética, numa confluência entre projeto amoroso e poesia. O enlace de imagens de campos semânticos díspares, o da primavera e o da idade outonal, desdobra-se, na penúltima estrofe, na tensão máxima do poema, revestindo-se no sentimento ambíguo do eu-lírico, clivado entre angústia e êxtase: “Seu grão de angústia amor já me oferece/na mão esquerda. Enquanto a outra acaricia / os cabelos e a voz e o passo e a arquitetura/ e o mistério que além faz os seres preciosos à visão extasiada” (Andrade, 1964, p. 251 – grifos nossos).
O veio metafísico do poema, característico do projeto poético drummondiano da terceira fase e, conseqüentemente, do discurso poético da madureza amorosa, busca dissolver a ambigüidade que se insinua sob os sentimentos alojados em cada uma das mãos do poeta pela de-limitação do eu lírico no tempo, no sentido heideggeriano do termo.(cf. Heidegger, 1969, p. 78). Os versos da estrofe final traduzem esse processo de de-limitação ao explicitar, via metalinguagem, o significado desse amor crepuscular:

Mas, porque me tocou um amor crepuscular,
há que amar diferente. De uma grave paciência
ladrilhar minhas mãos. E talvez a ironia
tenha dilacerado a melhor doação.
Há que amar e calar.
Para fora do tempo arrasto meus despojos
e estou vivo na luz que baixa e me confunde.
(Andrade, 1964, p. 251)

Pressupondo uma revisão de outras formas de tematizar o amor – a irônica, para ser mais específica – o amor da madureza descortina ao poeta uma nova visão do mundo e de si mesmo. Revela-se, assim, numa preparação epifânica, como um exercício de paciência e sabedoria, engendradas pela experiência. Correlação análoga entre amor, paciência e sabedoria pode ser lida ainda em “Amor e seu tempo”, poema que estabelece um diálogo intertextual com “Campo de flores”, a partir da própria delimitação e especificação do amor no tempo da madureza: “Amor é privilégio de maduros/ estendidos na mais estreita cama,/ que se torna a mais larga e mais relvosa, / roçando, em cada poro, o céu do corpo” (Andrade, 1974, p. 36). Sem a tensão ambígua do poema anteriormente examinado, as estrofes subseqüentes de “Amor e seu tempo” corroboram a “natureza” semântica desse amor maduro, que se oferece univocamente positivo ao poeta, como coroamento de toda uma existência: “ganho não previsto”, “prêmio subterrâneo e coruscante”, “preço do terrestre”. E que, à semelhança de “Campo de flores”, configura-se como exercício de aprendizagem e deciframento, de construção poética e leitura, reiterando, assim, a correlação entre poesia e amor: “É isto, amor: o ganho não previsto,/ o prêmio subterrâneo e coruscante,/ leitura de relâmpago cifrado,/ que, decifrado, nada mais existe”/ [...]. Amor é o que se aprende no limite, /depois de se arquivar toda a ciência/ herdada, ouvida. Amor começa tarde” (Andrade, 1974, p. 36).
“A ingaia ciência”, situado na primeira parte de Claro enigma já havia entremostrado ao leitor drummondiano a correlação entre saber (ciência), amor e madureza. Só que aqui, ao contrário de “Campo de flores” e de “Amor e seu tempo”, tal correlação se dá sob o signo da negatividade. É o que se constata a partir do prefixo in, anexo ao adjetivo que no título do soneto qualifica a ciência (ingaia), atribuindo-lhe uma conotação de tristeza, que o tom de desencanto do texto só irá confirmar: “A MADUREZA, essa terrível prenda/ que alguém nos dá, raptando-nos, com ela,/ todo sabor gratuito de oferenda/ sob a glacialidade de uma estela4 ,/ a madureza vê, posto que a venda/ interrompa a surpresa da janela,/ o círculo vazio, onde se estenda,/ e que o mundo converte numa cela” (Andrade, 1964, p. 236). O reiterado movimento antitético de oferta e subtração, de descortino e de interrupção da visão que caracteriza o saber da madureza, na primeira e na segunda estrofes, contamina entre outras coisas (os ócios, os quebrantos) o usufruto do amor que, sob o crivo da sabedoria da idade madura, perde, como a própria madureza, “seu sabor gratuito de oferenda”: “A madureza sabe o preço exato/ dos amores, dos ócios dos quebrantos,/ e nada pode contra sua ciência” (Andrade, 1964, p. 236). O poema questiona, assim, o saber da “ingaia ciência”, cuja clarividência desencantada ironicamente se destrói “no sonho da existência”.
Em outros poemas de Claro enigma – a exemplo do soneto “Entre o ser e as coisas” – o discurso da madureza amorosa especula sobre a existência, o sentido e a natureza do amor, através de novas correlações discursivas que, se de um lado, parecem negar o desencanto da imagética de “ingaia ciência”, aproximam-se, por outro lado, da poética de “Campo de flores” e de “Amor e seu tempo”. Sobretudo pela correlação que estabelecem entre Eros e Orfeu, entre amor e projeto poético, evidenciando um processo que permeia, em maior ou menor grau, o conjunto da obra do autor e que irá se acentuar em Claro enigma, e nos poemas experimentais de Lição de coisas (1962), notadamente em “Amar-amaro”.
O primeiro terceto de “Entre o ser e as coisas” efetiva essa correlação pelo enlace do “tema do amor” ao “tema da palavra”, para utilizar as expressões de Wilson Chagas (In: Brayner, 1978, p. 259), a propósito de alguns poemas do livro de 1962. Destaque-se a estrofe mencionada: “N’água e na pedra amor deixa gravados/seus hieróglifos e mensagens, suas/ verdades mais secretas e mais nuas” (Andrade, 1964, p. 248).
O “Poeta do finito e da matéria”, como se define o eu lírico em “Considerações do poema” (cf. Andrade, 1964, p. 137, 138) que abre A rosa do povo, escreve sobre o amor, na tessitura poética, inscrevendo-o como mensagem cifrada, hieróglifo impresso em água e sal, conforme afirma em “Entre o ser e as coisas”. De forma análoga, sua poesia “de mil faces secretas” se imprime na folha do papel em branco à espera de decifração: “Trouxeste a chave?” Indaga o poeta, em texto que leva o significativo título de “Procura da poesia” (cf Andrade, 1964, p. 138, 139). A busca do amor confunde-se, assim, com a busca da poesia, numa confluência entre projeto poético e projeto amoroso, reiterando ainda a imagética dos poemas atrás analisados. É o que se pode ler também em “O lutador”, da coletânea José (1942), onde a personificação da palavra em figura feminina propicia-lhe um tratamento amoroso semelhante ao dispensado à mulher: “[...]/ Deixam-se enlaçar,/ tontas à carícia/ e súbito fogem/ e não há ameaça/e nem há sevícia/ que as traga de novo/ ao centro da praça.” (Andrade, 1964, p. 126 – grifos nossos). A luta pela palavra configura-se, assim, como uma apaixonada luta pela posse do objeto desejado, que se dá entre tortura e gozo:

[...]
Quisera possuir-te
nesse descampado,
[...]
Preferes o amor
de uma posse impura
e que venha o gozo
da maior tortura
(Andrade, 1964:, p. 126)

Se amor e poesia encontram-se no mesmo campo semântico, falar do sentimento amoroso pressupõe, simultaneamente, a construção de uma linguagem poética que também diga da poesia. A primeira estrofe de “Entre o ser e as coisas” indaga sobre o amor construindo ao mesmo tempo, pelas correspondências fonéticas e paronomásicas que reiteram o jogo rítmico do verso inicial, uma significativa forma poética onde o encontro entre a matéria tematizada e o processo formal mostra-se indissolúvel: “Onda e amor, onde amor, ando indagando” (Andrade, 1964, p. 247).
A metaforização do amor como poesia, transubstancializando o desejo erótico em tessitura poética de densidade lírica e metafísica, configura, pois, o discurso amoroso da madureza drummondiana em relação de oposição e distanciamento face ao desnudo sensualismo infanto-juvenil do discurso da juventude amorosa.
Em sentido inverso caminha O amor natural, em cuja elaboração discursiva o erótico eclode agora com toda sua sensualidade carnal. Ocorre aqui, como já acentuou Affonso Romano Sant’Anna (In: Andrade, 1992, p. 82), “um desnudamento temático” correlato, acrescento eu, ao desnudamento visual. Assim, o voyeurismo fetichista que configura a representação da mulher, tanto na fase do poema-piada, onde se insere a vertente paródica do amor, quanto em alguns poemas do discurso da juventude amorosa, em especial aqueles que tratam do amor interdito no universo familiar – esse voyeurismo, repita-se, cede preferencialmente lugar em O amor natural a exposição desnuda de cenas eróticas e ao descortino do corpo em nudez total.Isso não impede, é óbvio, a fixação ainda fetichista em algumas partes anatômicas da mulher. A exemplo de “coxas” e “bundas” (e suas variantes nádegas, nalgas), reedições voyeuristas das “pernas” e “coxas” que povoam obsessivamente o imaginário do desejo nas vertentes discursivas acima assinaladas. Só para se ter uma idéia, sete dos quarenta poemas do livro privilegiam, como tema central, uma ou outra dessas duas partes da anatomia feminina, ou ambas ao mesmo tempo. Destaque-se como ilustração o curioso título de alguns poemas: “A moça mostrava a coxa”, “São flores ou são nalgas”, “Coxas bundas coxas”, “A bunda, que engraçada”, “No corpo feminino esse retiro”, “Bundamel bundalis bundacor bundamor” e, finalmente, “No mármore de tua bunda”. As coxas comparecem ainda no título de um outro poema: “A castidade com que abria as coxas”, não como tema central, mas como meio de acesso ao ato sexual que se tematiza.
A ênfase dada aos elementos anatômicos em destaque nos próprios títulos dos poemas põe em evidência um dos processos lingüísticos específicos da configuração da mulher em algumas das modalidades discursivas das fases drummondianas já abordadas. Especificamente, as que tratam do amor como paródia e do erótico amor juvenil. Refiro-me ao processo metonímico, através do qual se assinala o deslocamento do objeto de desejo em alguns dos poemas contemplados nesta leitura. Tais como: “Iniciação amorosa” (onde o desejo se desloca das “pernas morenas da lavadeira” para as “duas tetas imensas” que se apresentam como sintoma febril no espaço verde do “ato inaugural”); “Sentimental” (em que a escritura do nome substitui a presença da mulher amada, independentemente da ironia), “Canto negro” (no qual a reiteração do desejo ocorre a partir da “linha reta” que semantiza as pernas, entremostrando o insinuoso caminho a percorrer). E ainda em vários outros textos situados nas vertentes destacadas, mas não inseridos no nosso corpus de estudo, cujo exemplo paradigmático leva o sintomático título de “As pernas” (cf.: Andrade, 1973, p. 136).
A utilização do processo metonímico como recurso poético em O amor natural não constitui, todavia, um “seqüestro sexual”, expressão com que Mário de Andrade (1974, p. 35) assinala em Brejo das Almas as abundantes “notações sexuais” de partes do corpo feminino, sobretudo as pernas, através desse mecanismo que ele chama de “desvio do olhar masculino”. No discurso erótico dessa última produção poética do autor, ao contrário, tal seqüestro não ocorre, pois não há propriamente um olhar desviante. O que a metonímia desloca eclode na pujança da metáfora erótica que reveste/desnuda o corpo feminino e semantiza o desejo e seus congêneres. Veja-se a propósito os versos iniciais do poema “A moça mostrava a coxa”:

A moça mostrava a coxa
a moça mostrava a nádega
só não me mostrava aquilo
- concha, berilo, esmeralda –
que se entreabre quatrifólio
e encerra o gozo mais lauto,
aquela zona hiperbórea,
misto de mel e de asfalto,
porta hermética nos gonzos
de zonzos sentidos presos,
ara sem sangue de ofícios,
a moça não me mostrava
(Andrade, 1992, p. 15)

Esse longo poema de noventa e nove versos, de um único bloco compacto sem divisões de estâncias, é certamente o que concentra em todo o livro o maior número de metáforas para falar do sexo feminino. Circunscrevendo o movimento de oferta e negaceio da mulher, a instigar o desejo masculino, o poeta almeja alcançar “aquilo” que lhe é negado, pela nomeação incessante do objeto. O processo de metaforização se converte então num verdadeiro deslizar de significantes em busca de um significado para a coisa nomeada. Assim é que as três metáforas iniciais, “Concha, berilo, esmeralda”, postas em destaque pelo travessão, engendram, ao longo do poema, uma série de outras: “zona hiperbórea, misto de mel e asfalto”, “porta hermética”, “ara sem sangue de ofício”, “rosa preta”, “urna”, “estrela d’alva”, “campo frio orvalhado”, “gruta invisa”, “erma hospedaria”, “nívea rosa preta”, “inacessível naveta”. Entre tantas nomeações metafóricas, surge finalmente o nome literal da “coisa” cobiçada: “púbis” (Andrade, 1992, p. 16).
Não se trata aqui ainda de analisar essas metáforas, mas de apenas assinalar o jogo polissêmico através do qual vai se desnudando o corpo da mulher desejada no universo erótico d’O amor natural. Assim, se a metonímia “seqüestra” o objeto do desejo via deslocamento, a metáfora o devolve em intensidade, condensando o sentido literal no sentido metafórico, num duplo movimento de ocultação/ desvelamento. Neste sentido a metáfora tem uma função de suplência: ela repõe o que fora subtraído (deslocado) no processo metonímico. O processo metafórico se constitui, portanto, num exercício de aproximação do corpo da mulher desejada, segundo pode ser constatado a partir já do texto de abertura do livro – “Amor, pois que é palavra essencial” (Andrade, 1992, p. 5) – onde há um constante deslizamento do sentido metafórico ao literal e deste àquele. A metaforização do amor (palavra essencial) anuncia-se já no próprio título do poema, numa referência a um procedimento estético usual na lírica amorosa drummondiana – o enlace entre o tema do amor e o da palavra, já destacado anteriormente a propósito da leitura do poema “Entre o ser e as coisas” e “O lutador”.
A quinta e sexta estrofes do poema inicial ajudam a compreender muito bem esse processo de deslizamento metafórico que se vem perseguindo na leitura de O amor natural. Num procedimento inverso ao constatado no poema “A moça mostrava as coxas”, na quinta estrofe de “Amor – pois que é palavra essencial”, o corpo da mulher é primeiro desnudo literalmente: “Ao delicado toque do clitóris,/ já tudo se transforma, num relâmpago”, (Andrade 1992, p. 6, grifos nossos) para a seguir eclodir, no ato do amor, nesta constelação de metáforas que reatualizam parte da imagética do outro poema antes comentado: “Em pequenino ponto desse corpo,/ a fonte, o fogo, o mel se concentraram.” (Andrade 1992:6). A estrofe seguinte engendra um movimento contrário: o ato sexual primeiro é circunscrito metaforicamente para no último verso da estrofe ressurgir em nomeação literal: “Vai a penetração rompendo nuvens/ e desvendando sóis tal fulgurantes/ que nunca a vista humana os suportara,/ mas, varado de luz, o coito segue” (Andrade 1992, p. 6 – grifos nossos).
Vários outros poemas d’O amor natural reiteram a polissemia do livro, pondo em circulação um vasto campo semântico que reedita em semelhantes, diferentes e sucessivas versões a configuração do amor e seus congêneres. Mais do que percorrer a vastidão desse campo, interessa, sobretudo, cotejá-lo com a imagética das modalidades discursivas anteriormente delineadas. O intuito desse cotejo é buscar o lugar da coletânea no conjunto da obra drummondiana, visto que a imagética da obra póstuma contempla, em um novo contexto textual e outros rearranjos estéticos, algumas das imagens que configuram o amor nas fases anteriores.
Um exame mais atento do erotismo em O amor natural permite lê-lo em correlação ao discurso erótico da juventude amorosa em seu duplo desdobramento semântico: aquele que configura o amor no espaço da exclusão e o outro que aponta para a espiritualização desse amor via realização dos valores do clã familiar. Por estranho que pareça, a imagética erótica desse último livro apresenta um cruzamento desses dois campos semânticos, afirmando ora um, ora outro, ou ambos ao mesmo tempo. O poema “Ó tu, sublime puta encanecida” associa a idéia de sexo no espaço da prostituição (da exclusão, portanto) a pecado, reatualizando, assim, a ótica do poema de tema similar em Boitempo, “A puta”, cuja configuração do desejo no espaço da exclusão é tematizada sob o crivo do interdito, que, no entanto, mais aumenta o desejo do “menino antigo”: “Quero conhecer a puta./A puta da cidade A única/. A fornecedora./Na Rua de Baixo/onde é proibido passar” (Andrade, 1968, p. 98). O desejo que ecoa, anaforicamente, na voz do menino, nesse poema de Boitempo: “[...] Eu quero /a puta /quero a puta quero a puta” (Andrade, 1968, p. 98), prolonga-se e projeta-se, como fantasia, na tessitura desse outro texto d’O amor natural:

Ó tu, sublime puta encanecida,
que me negas favores dispensados
em rubros tempos, quando nossa vida
eram vagina e fálus entrelaçados,

agora que estás velha e teus pecados
no rosto se revelam de saída,
[...]
Queria teus encantos já desfeitos
re-sentir ao império do mais puro
tesão,e da mais breve fantasia.
(Andrade, 1992, p. 53)

Já o poema era “Manhã de setembro” recupera de forma diversa o discurso da juventude amorosa, através de uma outra imagética – a do pássaro – que, segundo Silviano Santiago, surge naquele discurso como metáfora privilegiada, entendendo-se por esta sua recorrência suplementar em novas configurações discursivas. A imagem do pássaro comparece pela primeira vez, na tecelagem amorosa drummondiana no poema paródia, “Quero me casar,” de Alguma poesia, através de uma analogia irônica entre a noiva buscada e o passarinho: “Procuro uma noiva/ [...] uma noiva no ar como um passarinho./Depressa, que o amor/ não pode esperar!”(Andrade, 1964, p. 73). Em Brejo das almas essa metáfora ressurge como “emblema do desejo erótico” (Santiago, 1976, a: 76), no poema sintomaticamente intitulado “O passarinho dela”: “O passarinho dela/ é azul e encarnado/. Encarnado e azul são/as cores do meu desejo” (Andrade, 1964, p. 87). A estrofe final de “Canto negro”, de Claro enigma, revisita no presente da enunciação textual o desejo juvenil em campo negro, através da recorrência à mesma imagética: “À beira do negro poço/debruço-me; e nele vejo,/ agora que não sou moço,/um passarinho e um desejo.” (Andrade, 1964, p. 259). Em A vida passada a limpo a imagem retorna no “Sonetos de pássaro”, agora semantizada pelo verbo amar: “Amar um passarinho é coisa louca” (Andrade, 1964, p. 299).
Tais reedições da metáfora do pássaro nos poemas ligados ao erotismo do discurso da juventude amorosa ajudam a compreender a inserção dessa imagem aparentemente acidental e fortuita em O amor natural, e que aí comparece uma única vez, ao contrário de tantas outras reincidentes. Não é à toa que no poema “Era manhã de setembro” a metáfora do pássaro se situe justamente em estrofe subseqüente a outra que representa em cruzamento três momentos temporais: o passado do “menino antigo” e seu projetado futuro, que não é outro senão este do momento presente da enunciação poética. Não deixa de ser significativo também que entre a estrofe que evoca o passado do menino, projetando-lhe o futuro agora concretizado, medeie o refrão que assinala a modalidade do ato sexual praticado (o ato da felação). Vejamos as estrofes:

O meu tempo de menino
o meu tempo ainda futuro
cruzados floriam junto

Ela me beijava o membro

Um passarinho cantava,
bem dentro da árvore, dentro
da terra, de mim , da morte.
(Andrade, 1992, p. 8)

O espaço em que se dá a cena erótica – o espaço verde da grama – e a imagética da rosa/flama aí acionada evocam igualmente outros cenários por onde se realiza a temática do amor no discurso da juventude amorosa. Veja-se no poema em pauta a estrofe em que esses elementos se acham configurados: “Somente a rosa chispada/ o talo ardente, uma flama/ aquele êxtase na grama” (Andrade, 1992, p. 9). A propósito do verde do espaço basta lembrar dos poemas “Iniciação amorosa” e “Ar livre”, onde a imagética do verde fundida ao elemento negro comparece como cenário do “engate” amoroso, longe do espaço familiar. A figura da “rosa chispada” e do “talo ardente” constituem no contexto sexual do poema examinado uma variação imagética de metáforas análogas que configuram na lírica drummondiana o amor e seus similares. Cite-se a propósito ainda os “Sonetos do pássaro”, em que a imagem da “rosa aberta” e do “fogo sutil” engendram a configuração metafórica da mulher/pássaro: “Batem as asas? Rosa aberta, a saia/ [...] o que é fogo sutil, soprado em neve” (Andrade, 1964, p. 299).
No poema “Era manhã de setembro,” de o Amor natural, é curioso notar que a agressiva linguagem erótica vai se deixando contaminar por uma imagética do campo do sagrado e da realeza numa tentativa, talvez, de atenuar a descrição “naturalista” do erótico:

Ela a me beijar o membro

[...]

Não era preito de escrava...
[...]
mas presente de rainha

[...]

como beijara uma santa
no mais divino transporte
e num solene arrepio
(Andrade, 1962, p. 9)

Através da contaminação do erótico pelos elementos extraídos do campo da realeza ou da divindade, o ato da felação vai-se configurando em pureza e castidade: “Dos beijos era o mais casto/ na pureza despojada/ que é própria das coisas dadas” (Andrade, 1992, p. 9). Contaminação análoga entre sexo e castidade, desejo e pudor encontra-se igualmente dramatizada no outro poema da coletânea aqui já aludido e que traz o significativo título de “A castidade com que abria as coxas”:

A castidade com que abria as coxas
e reluzia a sua flora brava.
Na mansuetude das ovelhas mochas,
e tão estreita, como se alargava.

Ah, coito, coito, morte de tão vida,
sepultura na grama sem dizeres.
(Andrade, 1992, p. 67)

A tessitura poética reúne, no mesmo espaço verde da grama/ “sepultura”, contaminado “pela negritude de corpo feminino”, imagens e valores que, na vertente do discurso da juventude amorosa elaborado sob a perspectiva do clã mineiro, configuram-se, como se viu, opositivamente: castidade e sexualidade, coito e pureza, prazer e pecado. Não falta ao texto a imagética cristã do paraíso: o poeta metamorfoseia-se metaforicamente em Adão, diante do “fruto proibido”:

Em minha ardente substância esvaída,
eu não era ninguém e era mil seres
em mim ressucitados. Era Adão,
primeiro gesto nu ante a primeira
negritude de corpo feminino.
(Andrade, 1992, p. 67)

A lírica dessa última fase poética de Carlos Drummond de Andrade deixa entrever, portanto, um fundo místico5, subjacente ao despudorado erotismo carnal. Tal misticismo busca conferir, conforme foi constatado pela leitura textual, uma certa aura de espiritualização, sacralização e pureza ao amor e ao ato sexual tematizados. Ato que, numa reedição do Kama Sutra, é mostrado em diversificadas modalidades, e ao qual não falta inclusive a imagética do “canibalismo amoroso”. Seja o canibalismo masculino, como se evidencia nesse poema em prosa, “Você, meu mundo meu relógio de não marcar horas”, onde se lê: “Você meu andar meu ar meu comer meu descomer” (Andrade, 1992, p. 69). Seja ainda o canibalismo feminino, conforme se vê em “Mimosa boca errante”: “Mimosa boca errante/ à superfície até achar o ponto/ em que te apraz colher o fruto em fogo/ que não será comido mas fruído” (Andrade, 1992, p. 34). O canibalismo da mulher se explicita ainda no título do poema “As mulheres gulosas”, reafirmando-se internamente nas malhas do texto: “As mulheres gulosas/ que chupam picolé/ - diz um sábio que sabe/ - são mulheres carentes/ e o chupam lentamente/ qual se vara chupassem” (Andrade, 1992, p. 70).
Ao lado dessa imagética grosseira e machista surgem outras que buscam a essencialidade do amor/palavra, como no poema aqui já parcialmente referido, “Amor-pois que é palavra essencial”, em que o poeta demanda o guiar do amor para que “reúna alma e desejo, membro e vulva” (Andrade, 1992, p. 5). E onde recorre ao mito platônico do ser original para falar do encontro amoroso, ou melhor, do entrelaçamento dos amantes em um único ser: “O corpo noutro corpo entrelaçado,/ fundido, dissolvido, volta à origem/ dos seres, que Platão viu contemplados:/ é um, perfeito em dois: são dois em um” (Andrade, 1992, p. 5). Outras imagens já destacadas antes, em “A moça mostrava a coxa”, a da “estrela d’alva”, da “ara” (embora sem ofício), da “zona hiperbórea”, para limitar-me apenas a estas, aproximam o campo do amor carnal do campo da espiritualização, apontando para a confluência com outros campos discursivos, em especial aquele que tematiza o amor no discurso da juventude. Estes recursos metafóricos tangenciam também, em menor intensidade, o discurso da madureza amorosa, onde o eu-lírico procura neutralizar o excesso de sensualismo do discurso juvenil via abstração e indagação filosófica. A linguagem dessa última coletânea contempla até mesmo o discurso da paródia pela dicção humorística e pelo tom de blague de certos textos, conforme constata-se no jocoso título deste poema: Bundamel bundalis bundacor bundamor (cf. Andrade, 1992, p. 39).
Poder-se-ia dizer, portanto, para concluir, que O amor natural, embora talvez não tenha o virtuosismo formal da maioria dos poemas da lírica amorosa de Carlos Drummond de Andrade, guarda indubitavelmente as marcas autorais. Marcas escritas em semelhança e diferença na imagética erótica deste e dos outros livros, e que, por isso mesmo, singularizam o discurso drummondiano em suas múltiplas faces.

Referências Bibliográficas

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_____ As impurezas do branco. 2 ed Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1973.
_____ Menino antigo (Boitempo II). Rio de Janeiro: José Olympio/INL, 1973.
_____ Boitempo e a falta que ama. Rio de Janeiro: Sabiá, 1968.
_____Lição de coisas. 2 ed. Rio de Janeiro: José de Olympio, 1965.
_____Obra completa. Rio de Janeiro: Aguilar.
Andrade, Mário. 1974. Aspectos da literatura brasileira. 5 ed.. São Paulo: Martins Fontes.
Chagas, Wilson. 1978. Amar-amaro. In: Sônia Brayner, (org.) Carlos Drummond de Andrade. 2 ed.
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Garcia, Othon M.1978. Alguns processos poéticos de Carlos Drummond de Andrade. In: Sônia
Brayner (org.) Carlos Drummond de Andrade. 2 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, pp.
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Heidegger, Martin. 1969. Introdução á metafísica. Trad. Emanuel Carneiro Leão: Rio de Janeiro:
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Leite, Sebastião Uchoa. 1978. Drummond: Musa matéria/musa aérea. In: Sônia Brayner, (org.)
Drummond de Andrade. 2 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, pp. 273-282.
Lima, Luiz Costa. 1968. Lira e Antilira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
Merquior, José Guilherme. 1976. Verso, universo em Drummond. 2ed. Rio de Janeiro: José Olympio.
Sant’Anna, Affonso Romano de. 1992. O erotismo nos deixa gauche? In: Carlos Drummond de
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_____Drummond, o gauche no tempo. Rio de Janeiro: Lia/INL
Santiago, Silviano. 1976a. Carlos Drummond de Andrade. Petrópolis, Vozes, 1972.
_____ Glossário de Derrida. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976 b. (org).
* Ensaio originalmente apresentado na III Semana de Estudos Literários.- Homenagem a Carlos Drummond de Andrade, promovido pelo Departamento de Letras da UFPE, outubro de 2002. Publicado na Revista Investigação, lingüística e teoria literária. V.16, Nº 2. Recife: Programa de Pós Graduação de Letras e Lingüística da UFPE, junho.2004.
1 Segundo Silviano Santiago (1976 a: 73), em “Sentimental” tem-se a “gênese da ‘musa’” drummondiana, transformada depois em “mito” no poema homônimo de A rosa do povo.
2 E sob essa perspectiva que Costa Lima (1968: 138) lê “Iniciação amorosa”, vendo nele, para além da irreverência do poema-piada, a desconstrução dos mitos que praticavam ou tendiam a praticar seus contemporâneos. No caso específico, o mito moderno “de uma bonomia triste, mas repousante, que nos envolve enquanto povo”.
3 Na crônica “Vila da utopia”, de Confissões de minas, o Cutucum é apresentado como o lugar de onde veio a preta Siá Maria “num dia remoto do século 19” e contra o qual padre Júlio manifesta-se no texto drummondiano, condenando o “descalabro social” a “polícia fraquíssima e nula”, a “deficiência de educação e princípios religiosos”, a inclinação a “toda sorte de orgias”. (Andrade 1964: 574). A partir do cotejo entre o poema “Ar livre” e a crônica “Vila da utopia”, Silviano Santiago (1976 a: 62-63) ressalta que a marca do pecado no espaço do prazer é introduzida e inculcada no “menino antigo” pelo padre Júlio, representante dos valores religiosos e morais do clã mineiro.
4 A imagem da estrela associa-se, na lírica drummondiana, a elementos como inacessibilidade, espiritualização, conforme viu-se anteriormente a propósito dos poemas “Castidade” e “Orion”.
5 Segundo Affonso Romano de Sant’Anna (In: Drummond 1992: 81) é essa a idéia defendida em tese – a que não tive acesso – por Maria Lúcia da Paz Ferreira, em 1985, na UFRJ, cuja pesquisa teria sido orientada pelo próprio Drummond, que lhe indicou a bibliografia a respeito.A ensaísta descarta, no entanto, ainda conforme Sant’Anna, que esse fundo místico tenha um caráter religioso.Considerando, porém, a análise aqui desenvolvida, defendo o contrário. A dicção mística da coletânea póstuma do autor é ainda alimentada (retrospectivamente) pela ótica cristã que informa o discurso amoroso de o “menino antigo”, sob a perspectiva do padre Júlio, representante, como foi visto, dos valores religiosos e morais do clã mineiro (ver a propósito a nota 3 deste ensaio).
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